Certa vez o Dr. Jan Vyjidak (Globopol.cz) me perguntou sobre um assunto bastante
pertinente, como segue (minha tradução):
“uma vez que o "Guia Alimentar Brasileiro" é
considerado um entre os melhores de todos os países, qual seria a recomendação
a respeito de pirâmide alimentar e como isso poderia ser substituido por algo
mais significativo tipo uma paleta de opões dietéticas suportados por medicina
baseada em evidências ?”
Pergunta e resposta aparentemente simples.
Mas a implementação, quão simples seria ?!
Vejamos ...
# O Guia alimentar brasileiro
O “Guia alimentar para a população brasileira”[1]
tem sido aclamado mundialmente como um grande avanço em
recomendações sobre nutrição, importante pilar da saúde.
Em verdade, o “Guia Alimentar” é o mais simples, puro, honesto, e imediato retrato de nossa cultura e do
padrão alimentar histórico de nossa nação. E suportado por sólidos trabalhos de
medicina baseada em evidência.
Vejamos abaixo um excerto do documento, os “Dez passos para uma
alimentaçao adequada e saudável”
1. Fazer de alimentos in
natura ou minimamente processados a base da alimentação;
2. Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao
temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias;
3. Limitar o consumo de alimentos processados;
4. Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados;
5. Comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e,
sempre que possível, com companhia;
6. Fazer compras em locais que ofertem variedades de alimentos in natura ou minimamente processados;
7. Desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias;
8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela
merece;
9. Dar preferência, quando fora de casa, a locais que servem refeições
feitas na hora;
10. Ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre
alimentação veiculadas em propagandas comerciais.
Neste contexto, seria então de se
esperar que o povo brasileiro fosse o mais saudável sobre a face da terra.
Mas
porquê, a despeito do “Guia Alimentar”, tão interessante e aclamado
internacionalmente, o povo brasileiro está se tornando cada vez mais e mais
doente, a exemplo das demais sociedades industrializadas [2]?
E pior, não apenas os adultos, mas também crianças e adolescente [3].
# O problema
Recentemente, encontrei essa perspectiva interessante sobre diabetes mellitus tipo 2 (DM2) por um
médico de destaque nas redes sociais:
“Então, eis a questão de um milhão de
dolares.
O que causa a disfunção de células beta pancreáticas primariamente ?
Pesquisas
recentes identificaram o mais provável culpado.
Fígado e músculo gordurosos
levam a resistência insulínica aumentada.
Pâncreas gorduroso causa disfunção de
célula beta pancreática.
O pâncreas está entupido de gordura" [4]
De fato, esteatose pancreática é um
achado importante, que for a revelado pelo prof. Ron Taylor [5],
da Universidade de Newcastle (UK). Entretanto, isto é um diagnóstico
patológico, e não a elucidação dos fatores causais. Atribuir a disfunção de
célula beta pancreática a gordura pancreática é como dizer que alguém é rico
porque possui muito dinheiro. É uma constatação de um fato, e não a descrição
do mecanismo.
Então, novamente: porque o aumento da prevalência de pessoas
doentes ?!
Reformulando a questão: qual é o
direto, imediato, deterministico conjunto de fatores ontogênico que determinam
patogênese de degeneração metabólica crônica ?!
Apesar das pessoas em geral
reconhecerem que devem seguir um padrão alimentar adequado, centrado em
relações familiares, preferencia a produção local (“locavore”), alimentos
minimamente processados, não industrializados, pouco ou nenhum açucar e outras
coisas, existem fatores complexos nesse cenário, dentre eles:
- a vida atribulada em cidades
- a mobilidade urbana
- o custo de alimentos frescos
- a necessidade de saber, querer e
dispor de tempo para cozinhar
- a inevitabilidade a lanchinhos,
beliscos e outras amenidades
- a elevada atratividade a alimentos de
palatabilidade exorbitante e visualmente tentadores (“food-porn”)
- a tentação por açucares e
sobremesas, pães e outros gêneros alimentícios pobres em micronutrientes
essenciais.
OBS: não parece existir gula, desejo, ou tentação por vitaminas e minerais ...
OBS: não parece existir gula, desejo, ou tentação por vitaminas e minerais ...
Sendo assim, todas essas falsas
conveniências promovem um padrão alimentar paupérrimo em micronutrientes essenciais,
com elevado conteúdo de disruptores endócrinos não-sintéticos (incluindo oleos
tóxicos de sementes, produtos de oxidação, etc), o que leva a uma degeneração
da saúde.
Crônica. Silenciosa. Indolor.
É uma troca: promessas falsas,
resultados drásticos.
# O diagnóstico
Eu vejo o cenário mundial como uma “pandemia de ausência” [6]: uma crônica, 24 h x 7 x 365 dias anuais,
vitalícia depleção de micronutrientes essenciais.
Nem mesmo cultura de células em
laboratórios de pesquisa, ou qualquer outro organismo vivo (sejam animais de
laboratório, de estimação, qual seja o nível da cadeia alimentar) conseguiria
prosperar ou mesmo sobreviver a tamanha depleção de micronutrientes essenciais.
Vamos portanto considerar por um breve instante
que a deprivação de micronutrientes seja um fator causal de degeneração de
saúde.
Pronto, temos um diagnóstico ! Caso
encerrado.
De posse da patologia, diagnóstico e elementos causais na ficha médica, teriamos então uma solução, certo ?!
Não exatamente.
A questão é: como resolver isso ?!
A questão é: como resolver isso ?!
Como prevenir, tratar, reverter (considerando-se possível) o declínio da saúde ?
# A prescrição
Como convencer as pessoas a tirar o
melhor de si para si próprio e para seus entes queridos ?
Resposta rápida: “basta seguir o Guia
Alimentar para a População Brasileira”.
Pronto !
Entretanto, essa resposta é
insuficiente. Em verdade, tal solução é nada mais que uma perspectiva
filosófica, analítica.
Dizer ao povo brasileiro – ou
humanidade – para seguir o “Guia Alimentar” ou qualquer outra diretrizes não
constitui exatamente uma solução prática, técnica.
As pessoas no geral não se convencem
simplesmente por palavras e uma prescrição no papel. É como aprender lingua
estrangeira, instrumento musical, pintar, desenhar: fazer apenas uma aula de 15
min e sair com um livro para ler não é suficiente.
Como então convencer as pessoas a
fazê-lo ?
Como convencer as pessoas a empenhar seu dinheiro, por mais ou menos que o tenha,
a comprar alimentos frescos em vez de bolos e tortas ? a beber água em vez de
sucos e outras bebidas açucaradas densas em calorias e pobres em
micronutrientes ? A comer boas fontes de proteínas em vez de biscoitos ?
Como fazer as pessoas verem
indulgência como indulgencia novamente ?
Como convencer as pessoas a fazer de
“doces ou travessuras” uma eventualidade, e não um hábito diário que afronta
contra si próprio.
# A motivação
A sociedade moderna, urbana, vive um
estado crônico de “anosognosia”, ou seja,
“uma deficiência de autoconsciência, uma condição em que uma pessoa que sofre
com determinado problema parece desconhecer a existência do mesmo” [8].
Para agravar, na ocasião do diagnóstico
as pessoas passam a viver sob um estado denominado “anosodiaforia”, em que se tem conhecimento do problema, nas não se
importam com o mesmo [8].
Por que isso ?
Talvez por não vislumbrar risco, imediato e futuro.
Acontece ainda que em grande parte,
até que exista um diagnóstico uma doença crônico-degenerativa não é acompanhada pela percepção de sintoma. E as pessoas estão acostumadas a se motivar a resolver
problemas quando percebem um sintoma, como dor.
“Quem tem dor tem pressa”.
“Quem tem dor tem pressa”.
Como então convencer pessoas a
"privarem" a sí próprias de uma indulgência continuada, de um alto nível de
satisfação altamente palatável ainda que pobre em micronutrientes, uma vez que não
há sintoma ?!
Ao contrário, esse padrão alimentar
fornece o mais elevado nível de satisfação para as pessoas.
As pessoas costumam entender apenas a
linguagem do benefício imediato. Satisfação, prazer, saciação são alguns deles.
A cessação de dor é outro. E sem dor, portanto, não há argumento entre o céu
e a terra que seja suficiente para convencer as pessoas a se privarem de uma
fonte quase inesgotável de indulgência e passar a consumir alimentos frescos,
feitos em casa, ricos em micronutrientes. A levantar-se do conforto do sofá de
onde assiste divertidos programas de culinária na TV por horas e, em vez disso,
ir para cozinha cozinhar por si próprios.
Prescrição de estilo de vida não é
suficiente.
Metas não são suficientes.
Precisamos de algo mais concreto, de
uma agenda positiva.
Que não seja uma solução mágica, "estilo de vida" em uma pílula.
Ações que consigam a complexa tarefa
de dar o passo inicial, com motivação para a intangível necessidade de mudar.
Para o bem de si próprio e de seus
entes queridos.
# A solução.
A
solução é ... educação.
Educação
e re-educação.
Re-educação
continuada, incansável.
Re-educação do círculo social, família.
Re-educar
educadores, professores, diretores de escola, artistas, personalidades
públicas, top-chefes, master-chefes, cozinheiros de escolas, blogueiros,
cineastas.
Re-educar
escritores de livros textos escolares e universitários, os quais serão usados
pela próxima geração de médicos, nutricionistas, gastronomistas, farmacêuticos,
dentistas, enfermeiros e demais profissionais de saúde.
Re-educar toda a humanidade. Humanidade inconscientemente co-optada em uma nau.
Suspensa em mares degenerativos.
Porque o velo de ouro não é necessário.
Micronutrientes são essenciais.
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Leitura complementar:
- Modern food processing classification (adopted by FAO-WHO) – original article – “A new
classification of foods based on the extent and purpose of their processing” Cad.
Saúde Pública vol.26 no.11 Rio de Janeiro Nov. 2010, http://dx.doi.org.1590/S0102-311X2010001100005
- Luis Mauricio T R Lima (2017) “Subclinical
Diabetes” An. Acad. Bras. Ciênc. Epub
May 04, 2017. http://dx.doi.org.1590/0001-3765201720160394
[1] Dietary guidelines for the Brazilian population - In Portuguese, English
and Spanish - http://www.fao.org/nutrition/education/food-based-dietary-guidelines/regions/countries/brazil/en/
[4] On pancreatic steatosis and T2DM (by Dr. Jason Fung): https://www.dietdoctor.com/unrecognized-second-phase-developing-type-2-diabetes
[6] After the book “An epidemic of absence” by Moises Velasquez-Manoff,
narrating about immune system and symbionts
[7] Editorial (2017). “Urbanisation, inequality, and non-communicable
disease risk”. The Lancet Diabetes & Endocrinology, (5), 313. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(17)30116-X
[8] Babinski, J. (1914). Contribution to the Study of the Mental Disorders in Hemiplegia of Organic Cerebral Origin (Anosognosia). Translated by K.G. Langer & D.N. Levine.
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