quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Antônio




Eu curto jacarandá.


Meus primeiros instrumentos luthier são em jacarandá brasileiro de algum mobiliário centenário que seu Antônio guardava consigo para transformar, fazer daquele silencioso móvel instrumentos vibrantes em quase todos os sentidos humanos.


E que por curiosa coincidência eu vim a sugerir a união do jacarandá brasileiro ao pinho canadense


Este foi o trio cavaco bandolim e violão de 7.


Mas havia algo especial das mãos daquele Luthier, autodidata na luteria com caixotes de bacalhau em sua adolescência, mas que tinha nos seus processos não revelados - e que com ele se foram para todo sempre - um talento intangível.


São mais que mãos. É mais que um toque. É a perfeição e identidade humanas.


Era mais que serrar e colar.


Era afinar a madeira a cada micrometro até a espessura correta.


Não havia osciloscópio para inferir da espessura das madeiras aquelas que renderiam timbres almejados, fosse por mim, por um padrão estético estabelecido ou outro.


Era simplesmente o poder de criação, as mãos calejadas e artísticas, que comunicavam, uniam todo saber de 5 décadas  de luteria, suas ferramentas e aquelas matérias vegetais rígidas em novos instrumentos de comunicação.


Minha lembrança de uma genialidade que veio do interior a capital fluminense em busca de oportunidade e, que encontrei, aposentado, naquele subúrbio do RJ.


Não era nenhum país ou cidade paradisíaca, ou destino turístico.


Meus sábados eram dedicados a ir visitar e ficar horas conversando naquele Realengo. Escutando a voz da experiência e toda absurda expressividade da vida, em unir madeiras dos extremos das Américas e com sua arte – sem a exatidão da ciência - retransformar a matéria. 



Mais que meros novos fatores de forma, ele formava aquela pequena orquestra, de cavaco bandolim e violão.


Dali saiam meus Tavares. Talento. Transformador. Tons. Timbres. Transcontinental.

Jacarandá brasileiro e pinho canadense. União perfeita, num momento especial de sua vida madura, aveludou os timbres e com seu saber extirpou frequências estridentes. 


Cada toque com minhas unhas ou palheta que dou nas cordas tem mais intenção que extrair perfeição técnica e virtuosismo. Não de mim, não tenho todo esse talento.


Cada percepção dos instrumentos - suas perfeições estéticas, seus toques às minhas mãos, seus aromas, seus timbres - são um abraço de lembrança do seu Antônio, do seu Realengo, das suas histórias, do cheiro de seu ateliê, da lembrança da mesa sendo serrada, do cheiro da cola, do verniz, das cordas velhas que amarravam as madeiras, de suas conversas com café. 

Da beleza do conjunto.



Cada som que tiro é uma evocação à música e a todo esse meu privilégio. De viver. De conhecer. Do acaso do encontro. Do tempo perfeito do acontecimento das coisas.



Não haverá da física instrumentação estado-da-arte que consiga um dia traduzir cada um desses sentidos.


Somente a minha lembrança o fará.