Eu curto jacarandá.
Meus
primeiros instrumentos luthier são em jacarandá brasileiro de algum mobiliário
centenário que seu Antônio guardava consigo para transformar, fazer daquele
silencioso móvel instrumentos vibrantes em quase todos os sentidos humanos.
E que por
curiosa coincidência eu vim a sugerir a união do jacarandá brasileiro ao pinho
canadense
Este foi o
trio cavaco bandolim e violão de 7.
Mas havia
algo especial das mãos daquele Luthier, autodidata na luteria com caixotes de
bacalhau em sua adolescência, mas que tinha nos seus processos não revelados -
e que com ele se foram para todo sempre - um talento intangível.
São mais
que mãos. É mais que um toque. É a perfeição e identidade humanas.
Era mais
que serrar e colar.
Era afinar
a madeira a cada micrometro até a espessura correta.
Não havia osciloscópio
para inferir da espessura das madeiras aquelas que renderiam timbres almejados, fosse por mim, por um padrão
estético estabelecido ou outro.
Era
simplesmente o poder de criação, as mãos calejadas e artísticas, que
comunicavam, uniam todo saber de 5 décadas
de luteria, suas ferramentas e aquelas matérias vegetais rígidas em
novos instrumentos de comunicação.
Minha
lembrança de uma genialidade que veio do interior a capital fluminense em busca de
oportunidade e, que encontrei, aposentado, naquele subúrbio do RJ.
Não era
nenhum país ou cidade paradisíaca, ou destino turístico.
Meus
sábados eram dedicados a ir visitar e ficar horas conversando naquele Realengo.
Escutando a voz da experiência e toda absurda expressividade da vida, em unir
madeiras dos extremos das Américas e com sua arte – sem a exatidão da ciência -
retransformar a matéria.
Mais que meros novos fatores de forma, ele formava aquela
pequena orquestra, de cavaco bandolim e violão.
Dali saiam meus
Tavares. Talento. Transformador. Tons. Timbres. Transcontinental.
Jacarandá
brasileiro e pinho canadense. União perfeita, num momento especial de sua vida
madura, aveludou os timbres e com seu saber extirpou frequências
estridentes.
Cada toque
com minhas unhas ou palheta que dou nas cordas tem mais intenção que extrair
perfeição técnica e virtuosismo. Não de mim, não tenho todo esse talento.
Cada percepção
dos instrumentos - suas perfeições estéticas, seus toques às minhas mãos, seus
aromas, seus timbres - são um abraço de lembrança do seu Antônio, do seu
Realengo, das suas histórias, do cheiro de seu ateliê, da lembrança da mesa
sendo serrada, do cheiro da cola, do verniz, das cordas velhas que amarravam as
madeiras, de suas conversas com café.
Da beleza do conjunto.
Cada som
que tiro é uma evocação à música e a todo esse meu privilégio. De viver. De
conhecer. Do acaso do encontro. Do tempo perfeito do acontecimento das coisas.
Não haverá
da física instrumentação estado-da-arte que consiga um dia traduzir cada um desses sentidos.
Somente a
minha lembrança o fará.