domingo, 10 de setembro de 2017

Nossa zona azul






 Há cerca de 2 décadas a revista “National Geographic (Worrall et al. 2015) iniciou um projeto jornalístico para entender porque em certos lugares as pessoas tem a maior longevidade do mundo.
Em um mapa circularam essas localidades e viram não haver nada geograficamente em comum. Mas como o mapa estava marcado em caneta azul, essas regiões foram denominadas de “blue zones”.
Visitando cada um desses lugares e conversando com os centenários e seus familiares, pouco a pouco descobriram 9 características em comum ainda que em lugares tão dissimilares em cultura e geograficamente:

- Mover-se naturalmente
- Motivação
- Relaxar-se
- 80 % saciado
- Leguminosas
- Vinho às 5
- Fé
- Família
- Círculo social
            Claro que existem outros elementos importantes como não consumir fumo e outras drogas e também alimentação como nossos antepassados (centenários), onde consumíveis ultraprocessádos não tem lugar. E um estudo recente em 5 continentes, 18 países, com mais de 135 mil pessoas, observou esse mesmo padrão dos ultraprocessados (Dehghan et al. 2017). Mas não entra em questão aqui.
Sem conhecer o a perspectiva de “blue zones” de certa forma eu percebia isso pela minha família, em particular os anciões do lado materno que focarei aqui. Os mesmos não são oriundos dos 5 famosos clusters de “blue zone” de Ikara (grécia), Sardenha (Itália), Okinawa (Japão), Loma Linda (Califórnia, EUA) ou Nicoya (Costa Rica), mas sim de Muriaé (MG, Brasil), a 300 km do RJ.
Tirando pelo “wine @ 5”, todo o resto era seguido a risca. Os que trilharam o caminho do fumo, infelizmente tiveram desfechos de saúde graves - e jovens (comparados aos centenários)


 

Não acredito que Muriaé seja a sexta e última “blue zone”. Em verdade, creio que muitas outras localidades devam apresentar um sem número de centenários.
E de fato, motivação, família e círculo social se misturam muita das vezes. Acredito que a interface seja muito tênua. E isso é determinante no nosso dia a dia. Nossa motivação de se levantar ao acordar, e aqueles a quem voltamos nossas felicidades e também tristezas no dia a dia.
Invariavelmente quando alguem por aqui sentia um aperto a mais na alma, encarava 5 a 6 horas de ônibus serra acima, rumo àquela cidade da Zona da Mata.

Uma cidade onde saíamos de manhã para brincar pelas ruas afora, de peão, bolinha de gude, armar arapucas em árvores, brincar de clubinho em terreno baldio, e muitas horas depois retornávamos sem ter havido necessidade (ou mesmo disponibididade à época) de estar mandando mensagens a cada 10 min.
            Onde sentavamos ao meio fio e com os amigos consumiamos uma saca de manga recém chegada da roça, casca arrancada ao dente. 
           Ou ir direto à roça brincar no melhor brinquedo deste melhor parque temático do mundo: árvores.
Onde andavamos de bicicleta desembestados pelas ruas desprovidas de sinais de trânsito.
Onde pulavamos o muro do vizinho pra pegar limão pra limonada do almoço.
Onde o padeiro vinha toda tarde de barraforte com dois cestos enormes, um na dianteira e outro atras, ansiosamente aguardado. 

Ficavamos até tarde da noite jogando bola na rua ou brincando na casa uns dos outros.
Uma cidade onde o maior risco era ser atropelado por uma bicicleta ou cair de alguma árvore.

De volta ao RJ, brincar na rua ou soltar pipa nem pensar, pra não se desentender com os vizinhos. Mas sobrava-nos um generoso quintal de uma casa de 400 m2 no subúrbio, onde tinhamos nossa micro-Muriaé, e junto com irmãs brincavamos na nossa roça imaginária, subiamos na mangueira tanto para colher e comer quanto para lá abrir o livro da escola e estudar, plantar toda sorte de plantas (de alface a cacaueiro). E depois tomar banho de mangueira no quintal depois de jogar bola com ... a parede.

Verdadeiros “backyardigans”.



Meus pais continuam no subúrbio, onde meu pai nasceu e cresceu, onde eu nasci e cresci. Mas diferente de O Rappa [1], Arlindo Cruz [2], Tom & Chico [3] e Marquinho de Oswaldo Cruz [4] que trazem ao grande povo a imagem do subúrbio como um Olimpo, a verdade é que do lado de lá do rebouças existe um povo amado e gentil, mas também um universo que faz os “connoisseurs” acharem o filme “District 9 [5] um amadorismo: um ambiente inospito, uma cidade à parte, abandonada por todos há décadas e relegada atualmente a violência explícita e indomada. Ao ponto de um jornal de grande circulação no RJ ser conhecido como “se torcer sai sangue”, pois dedicava-se a noticiar os acontecimentos de violência urbana. Hoje isso se oficializou em outro jornal de grande circulação, que criou uma editoria de “Guerra no Rio[6]. Neste contexto, a única coisa que trazia motivação estando lá era: família e círculo social.
Passado o tempo, muitas amizades se formaram, uns se foram, outros ficaram, as quais permanecem e agregam motivação à vida – e sobrevivência - urbana.
Trinta e dois anos depois, agora morando do outro lado do túnel, atravesso o mesmo todo dia indo e voltando, e sigo vendo um mesmo horizonte. Ou pior. 360 graus, onipresente, sem limites geográficos.



Àquela motivação diária de se levantar ao acordar soma-se um sonho, de ir embora. Ao ponto de numa reunião da escola dos gêmeos, um tanto com propósito de intronização entre os pais e a própria escola, perguntou-se sobre as motivações de cada um. Não exitei: 
"no caminho do trabalho passar direto, subir a serra com família e ir embora, sair deste círculo urbano de poluição e violência".
Mas isso não vai acontecer tão cedo. Enquanto isso, é preciso ter motivação diária e criar nossa própria micro “blue zone” na sua região, um ethos de nós, argonautas urbano.
Seria necessário – ou mesmo possível – habitar as “blue zones” da “National Geographic” ou mesmo voltar à Muriaé de decadas atrás – hoje com sinais de transito - para ser um centenário ? Ou mesmo para viver bem ? Mesmo em grandes centros urbanos, o que importaria são os fatores determinísticos do conceito de bem estar físico, psíquico e social condensado na definição de saúde da OMS. E criar em torno de seu microcentro urbano sua própria “blue zone”.
Mas no fim o que importa é a motivação. O propósito. De ser, de existir, de ser feliz. E este, não tenho dúvida, está na família. No circulo social. Na amizade.
Por vezes, com divergências. Tão natural. As dissonâncias se somam. Fazem repensar as perspectivas de vida. E construir um cenário distinto - sempre vislumbrando o melhor. E talvez a sabedoria da divergência seja o décimo elemento das “blue zones”.

Pausa para pensar, com um café.
E um vinho as 5 para relaxar e harmonizar.








Referências

Dehghan M, Mente A, Zhang X, Swaminathan S, Li W, Mohan V, Iqbal R, Kumar R, Wentzel-Viljoen E, Rosengren A et al. 2017 Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovasular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study. The Lancet 0. (doi:10.1016/S0140-6736(17)32252-3)


Worrall S, April 12 NGP & 2015 2015 Here Are the Secrets to a Long and Healthy Life. In National Geographic News.