segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Spalla





Ontem conversava com uma amiga sobre ideais profissionais e de vida
Como estar na primeira estante de uma orquestra
Ou talvez ser um acadêmico de sucesso
Um ‘imortal’

Aquele momento me remeteu a pensar o que é plenitude, e o valor do que fazemos
E hoje, me vi lendo um livro e escutando música
Não era uma grande literatura universal
Tampouco uma grande obra performática
Mas, entre as palavras que lia, ressonava uma voz rouca e um instrumento que trastejava
Havia beleza no aparente ruído, seja ele intencional ou não
Existe encanto


E vem aquela imagem
De que talvez a beleza possa estar no trastejar em uma música

Na simplicidade dos versos
Naquela voz rouca

Talvez o ideal esteja na beleza quando a mesma é encontrada
Em todo seu contexto
Sem impor parâmetros idealizados por outrem.




terça-feira, 17 de setembro de 2019

Ciência na Camisa de Força

 






"Ciência é imaginação em uma camisa de força apertada"
- Richard Feynman




 A célebre citação de Feynman permeava meu pensamento incessantemente durante a performance pública acima, que assisti no verão de 2019 no Covent Garden - London. Apenas 2 minuto.


   Interpretada em outro contexto - o atual cenário científico / educacional / econômico do país - a reflexão de Feynman me traz a inspiração de que em breve superaremos essas amarras.



Vídeo original de Feynman com a citação: https://www.youtube.com/watch?v=ysYEAC4z66c




















“The game I play is a very interesting one. It’s imagination, in a tight straitjacket.” — Richard P. Feynman

segunda-feira, 18 de março de 2019

Os sentidos da rosa





O que é um nome ?!
Aquela a que chamamos de Rosa
Por outro nome cheiraria igualmente doce” 
(Shakespeare)


As coisas são muito mais que um nome, e sim o que encerram em si.
Diabetes não é diferente.
Para conhecer, é necessário mais que memorizar seu nome.
E sobretudo, entender que diabetes está bem além da glicemia (glicose sanguínea) elevada.

Diabetes é, dentre outras coisas, a incapacidade do organismo adequadamente produzir e/ou secretar e/ou responder ao hormônio insulina.
E quando isso acontece, ocorre elevação indesejada da glicemia, denominado de hiperglicemia.

Insulina é produzida pelas chamadas células beta do pâncreas.

No diabetes mellitus tipo 1 (DM1) ocorre perda precoce de célula beta e perda de insulina.

No diabetes mellitus tipo 2 (DM2), ocorre resistência à ação de insulina, e dai o pâncreas do indivíduo DM2 precisa produzir enormes quantidades de insulina, até que entra em exaustão, ocorre perda - tardia - de célula beta e, por fim, hiperglicemia.

Ou seja, DM2:

- tem como característica a resistência à ação da insulina – “resistência insulínica
- a resistência insulínica acompanha o DM2 em toda sua trajetória, mesmo antes do diagnóstico por hiperglicemia (podendo ocorrer mesmo com glicemia “normal”)
- é caracterizada por excesso de insulina nos estágios iniciais (10, 15, 20 anos antes da hiperglicemia que leva a diagnóstico[1]), evoluindo para deficiência de insulina em estágios muito avançados (10, 15, 20 anos após diagnóstico por hiperglicemia)

Isso nos leva a conclusões importantes:

1º) glicemia não pareceria portanto poderoso em definir, ou mesmo predizer o risco futuro de DM2, porque tem pessoas em estado de glicemia “normal” (chamado "normoglicenico") mas já com resistência insulínica.

2º) um indicador de resistência insulínica – ou, ainda, diabetes subclínica[2] - nesses indivíduos normoglicemicos é a insulina elevada, em virtude do pâncreas tentar compensar a resistência de modo a tornar o indivíduo normoglicemico.


A limitação do uso de glicemia para prever risco futuro de diabetes tem se demonstrado por estudos independentes, incluindo dois publicados recentemente, um nos EUA de 2017 (ARIC[3]) e outro de 2019 no Brasil (ELSA-Brasil[4]).

Por outro lado, outro estudo em 2009 (Whitehall-UK[5]) observou que pacientes que ficaram diabéticos eram resistentes a insulina 10 a 15 anos (talvez até mais) antes do diagnóstico de DM2 pelo critério de hiperglicemia.

De fato, a Associação Americana de Diabetes (ADA) já havia afirmado em 1997 que insulina é o melhor diagnóstico de resistência insulínica & melhor preditor de risco futuro de DM2[6].

Ou seja, numa perspectiva diagnóstica, a melhor forma de saber que se está no caminho de DM2 é saber seu nível de insulina e, assim, seu grau de resistência insulínica.

Parafraseando o dramaturgo,

“diabetes é diabetes ainda que com outro nome”

Afinal, podemos reconhecer uma rosa ao longe, mesmo que ainda não tenhamos sentido seu doce aroma.





[1] Tabák et al, 2009. Trajectories of glycaemia, insulin sensitivity, and insulin secretion before diagnosis of type 2 diabetes: an analysis from the Whitehall II study. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60619-X
[2] Lima LMTR, 2017. Subclinical Diabetes. An. Acad. Bras. Ciênc. vol.89.
[3] Warren et al, 2017. Comparative prognostic performance of definitions of prediabetes: a prospective cohort analysis of the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) study.  https://doi.org/10.1016/S2213-8587(16)30321-7
[4] Schmidt et al, 2019. Intermediate hyperglycaemia to predict progression to type 2 diabetes (ELSA-Brasil): an occupational cohort study in Brazil. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(19)30058-0
[5] Tabák et al, 2009. Trajectories of glycaemia, insulin sensitivity, and insulin secretion before diagnosis of type 2 diabetes: an analysis from the Whitehall II study. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60619-X
[6] Consensus Development Conference on Insulin Resistance: 5–6 November 1997
Diabetes Care 1998 Feb; 21(2): 310-314. https://doi.org/10.2337/diacare.21.2.310

--- Atenção: este texto é apenas informativo científico, e não constitui orientação de qualquer natureza, tampouco constitui relação profissional-paciente/cliente. O uso de qualquer informação aqui contida é de responsabilidade do usuário e não do autor deste texto. Recomenda-se que qualquer pessoa interessada em tomar alguma atitude em relação a cuidados da saúde procure orientação profissional qualificada nos termos da legislação vigente. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Em busca da terapia perfeita





               Em 1923 o diabetologista Fred Allen publicava na revista médica americana JAMA [1] um estudo de caso reportando sucesso no tratamento de um paciente com insulina, recém-descoberta [2] e vendida simbolicamente em 11 Fev 1922 por 3$ para que fosse acessível a todos [3]. E de fato rapidamente tornou-se disponivel comercialmente. Enquanto pontuava que carboidratos poderiam ser introduzidos a alimentação desses pacientes, nesse mesmo artigo Allen destacava que quantidades elevadas de carboidratos eram “geralmente desnecessárias e indesejáveis por causa da grande dose de insulina demandada”.


               Com o advento da biologia molecular, as insulinas de origem animal que eram usadas até então deram lugar as insulinas “humana” (ou “homólogas”), ou seja, identicas a natural do organismo: a de ação rápida/regular, e a lenta / “NPH”. O uso da insulina humana diminuiu a taxa de alergencidade e melhores respostas a insulina. 


Essas insulinas humanas são tão importantes que constituem o portfólio de medicamentos essenciais da OMS [4] , sendo as mesmas padronizadas no Brasil pelo Sistema Único de Saúde/Farmácia Popular.


               Posteriormente foram surgindo insulinas “análogas”, ou seja, diferentes das humanas, de modo a apresentarem ação mais rápida ou mais lenta consoante as modificações criadas nas mesmas. 


O benefício da inovação não vem sem custo. E elevado. Em verdade, produto novo tende a ser bastante caro pela questão de desenvolvimento, marketing e reserva de mercado. Mas, no caso de insulina, tem também havido uma escalada global no preço de produtos já no mercado há algumas décadas, algumas em quase 10x, que ultrapassa o aumento de custo de qualquer outro produto no mesmo mercado [5].


               E preço se torna um problema porque insulina é essencial para vida aos pacientes DM1. Entretanto, a escalada de preço das insulinas análogas em alguns países é tal que, por mais essencial à vida que seja insulina a esses pacientes DM1, muitos reduzem a dose efetivamente necessária por conta de custo, por vezes com prejuizos à saúde e à própria vida [6].


               Mas afinal, seriam as mais menos dispensiosas insulinas humanas ruins ?!


Após décadas de dados acumulados, surgem os resultados [7] [8]: as insulinas análogas não parecem ser superior as humanas regular e NPH. Entretanto, existem pontos importantes nesse argumento:
 - Cada insulina – humana e análogas, rápidas e lentas - possui um perfil de ação bem diferente da outra, que precisa ser entendido para cada tipo e para cada indivíduo;
 - O uso de toda e qualquer insulina requer treinamento cuidadoso supervisionado por médico, e assim trocar de insulina não deve ser feita inadvertidamente e sim sob supervisão médica;
 - Não é razoável trocar indistintamente de insulina, de ultra-rápida para regular e vice-versa, sem o devido treino com profissional de saúde, pois como possuem velocidades de ação bastante distintas, podem levar a descontrole da glicemia, entre hiper- e hipo-, podendo levar a severas complicações, eventualmente fatais [9]; 
 - O treinamento de uso de insulina – ou troca da mesma – inclui revisão integrativa da terapêutica, inclusive alimentar, para que dentre outras coisas a curva de efeito da insulina se adeque ao perfil de aumento glicêmico. Para colocar em perspectiva, aqueles que consomem muito amido / açucares possuem aumento rápido da glicemia, precisando de altas doses de insulina análoga ultra-rápida, enquanto os que consomem pouquissimo carboidratos tipicamente tem elevação de glicemia baixa e tardia, sendo mais adequada a insulina humana regular e em baixas doses; 
 - Colocando de outra forma, como para toda e qualquer terapia que se faça com insulina, é uma questão de treino, requerendo saber o que vai se consumir, o tempo que levaria para absorver o alimento e aumentar a glicose sanguínea, e o perfil de efeito da insulina, devendo tudo isso se harmonizar.




Dr. Tracey Brown, CEO da American Diabetes Association, ela mesma DM2, recentemente lendo o livro Diabetes Solution do Dr. Bernstein, e tendo ido pessoalmente conversar com este Engenheiro DM1 que foi cursar Medicina aos 45 anos para poder trabalhar sua abordagem terapêutica farmacológica – com insulina humana – e nutricional de baixo carboidrato para DM. [10]




Nessa trajetória histórica – que segue - de busca da insulina perfeita [11], enquanto não chegam revolucionárias inovações radicais (e não apenas incrementais), tais como restrauração de função pancreática do diabético e insulinas gluco-responsivas, seria um problema não poder fazer uso das análogas ?! 

Espera-se também que o preço das análogas - em particular essas cujas patentes já expiraram e já são bem conhecidas em segurança e eficácia - se tornem mais acessíveis globalmente, como vislumbrado há 97 anos atrás, visando atender universalmente aqueles que dependem de insulina para sua sobrevivência. E quem sabe, entrar na lista de medicamentos essenciais da OMS.

Nesse meio tempo, seria ruim ter que recorrer à insulina humana ?! 

Seria uma solução “antiquada” usar insulina humana, com perfis de segurança e eficácia já bem conhecidos ?!


Afinal, antigo / tradicional não são sinônimos necessário de antiquado, inefetivo, inadequado.

Basta - claro - ser devidamente treinado pelos profissionais de saúde.


Fundamental não é estar na moda, mas sim estar bem.












[1] https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/236516 - The Treatment Of Diabetes With Insulin. Frederick M. Allen, M.D. Jama. 1923;81(16):1330-1335.
[2] https://patents.google.com/patent/US1469994A/en - Extract obtainable from the mammalian pancreas or from the related glands in fishes, useful in the treatment of diabetes mellitus, and a method of preparing it. Frederick G Banting, Best Charles Herbert, Collip James Bertram.
[7] https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2632299. Kasia J. Lipska,  Irl B. Hirsch; Matthew C. Riddle. “Human Insulin for Type 2 Diabetes: An Effective, Less-Expensive Option”. JAMA. 2017;318(1):23-24.
https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2685849 - Matthew J. Crowley; Matthew L. Maciejewski. “Revisiting NPH Insulin for Type 2 DiabetesIs a Step Back the Path Forward ?”. JAMA. 2018;320(1):38-39.
Jennifer N. Goldstein; Madeline McCrary; Kasia J. Lipska – “Is the Over-the-Counter Availability of Human Insulin in the United States Good or Bad ?” JAMA Intern Med. 2018;178(9)
[11] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26988411 - Zaykov AN, Mayer JP, DiMarchi RD. “Pursuit of a perfect insulin”. Nat Rev Drug Discov. 2016 Jun;15(6):425-39. 

--- Atenção: este texto é apenas informativo científico, e não constitui orientação de qualquer natureza, tampouco constitui relação profissional-paciente/cliente. O uso de qualquer informação aqui contida é de responsabilidade do usuário e não do autor deste texto. Recomenda-se que qualquer pessoa interessada em tomar alguma atitude em relação a terapêuticas e estilo de vida procure orientação profissional qualificada nos termos da legislação vigente.