O impacto da descoberta da insulina por pesquisadores da Universidade de Toronto e sua rápida introdução como agente
terapêutico para diabetes em 1923 foi campeão em prêmios com todo e devido mérito.
Como nos mostra o jornalista Chris Feudtner em seu livro Bittersweet,
foi uma terapia life-saver: o
desfecho esperado de expectative de vida de poucos anos fora estendido por
décadas.
Ainda em 1923, o diabetologista Frederic Allen publicou na revista JAMA o estudo de caso de um
menino diabético (possivelmente diabético tipo 1, T1D, insulino-dependente) que
fora iniciado em terapia insulínica. No artigo ele reporta poder reintroduzir
algum “carb” (possivelmente amido, farináceos,...) mas pontuava que “demais
seria desnecessário e indesejável visto
a necessidade de se empregar mais insulina”.
Bem antes de 1923 (cerca de 200 anos ou mais antes de
hoje), portanto, na era pré-insulina e pré-medicamentos para diabetes, o único
tratamento disponível era terapêutica nutricional por restrição de alimentos glicemiantes (“carb,
sacarineos, farináceos”) ou o dulçor na urina (sim, se provava urina, dai o
nome diabetes – polyuria – e mellitus – mel, doce). O proprio Dr. Allen empregava
essa terapêutica nutricional antes da era pré-insulina, junto com tantos outros.
Mas no séc 20
pós-insulina as diretrizes se estabeleceram de outro modo: consome-se de tudo, desde que compensando
por medicamentos (insulina).
O fato é: quanto maior a quantidade ingerida de alimentos glicemiantes,
tanto maior a dose de insulina para se administrar (nos pacientes insulinizados).
Olhar a refeição e estimar quanto tem de glicose ou alimentos que vão
aumentar glicemia:
Com erros.
Some-se a isso a incerteza de predizer a digestão e absorção do
alimento.
E a incerteza de se estimar quanto precisa de insulina
E a incerteza da medida da insulina na seringa
E a incerteza da velocidade e quantidade de insulina que será absorvida
conforme o local da aplicação.
Somando-se tantas incertezas, o erro pode ser tão
grande quanto 20 % para mais ou para menos.
E a certeza de que medicamento em excesso não é bom.
Ou seja, quanto maior a quantidade de alimentos
glicemiantes, maior a dose de insulina, e maior o erro.
É uma montanha-russa, para cima, para baixo, hiper- ,
hipo- .
Há sempre aqueles que não seguem as diretrizes oficiais. Como o Dr. Richard K. Bernstein, T1D, engenheiro, que no alto de seus 45
anos foi fazer medicina pois via que as recomendações de alta carga glicêmica não
lhe parecia compatível com bons desfechos para si próprio e, portanto, para diabéticos. Publicou diversos livros no assunto, o mais recente “Diabetes Solution”, em que demonstra seu
protocolo e hoje é seguido por milhares de pessoas T1D pelo mundo, incluindo a
comunidade digital Type1Grit, onde cerca de 2 mil adultos e crianças T1DM seguidores do protocol do Dr. Bernstein
desfilam monitores de glicemia diária planos e valores de A1c típicos de indivíduos não-diabéticos.
Eles seguem a chamada "regra dos pequenos números" do Dr. Bernstein: baixa carga glicêmica, menos insulina, menos erros, menos danos.
E sem prejuizos na gastronomia, basta buscar exemplos na web (ex: https://www.google.com/search?q=low+carb+diet).
Esse grupo – que consome
por dia no máximo cerca de 35 g de carb (equivalente a uma fatia media de pão de forma )
e usa baixissimas doses de insulina - foi
estudado cientificamente e, confirmados serem T1D, reportou-se que eles
possuiam media de A1c de 5.6 – e baixíssimos índices de eventos adversos (como
hipoglicemias e hospitalizações), desenvolvimento normal e otimos marcadores
metabólicos. Claro que pode haver viés, como por exemplo só estar no grupo
aqueles que estão bem adaptados à abordagem de baixíssima carga glicêmica
(sem tubérculos, farinhas, amido, pães, doces, bolos, sucos, frutas doces, dentre
outros). De outra sorte, esse grupo demonstra que existe sucesso neste protocolo.
O estudo –
publicado na revista Pediatrics (Lennerz
et al, 2018) – já alcançou a grande mídia e jornais, inclusive a American Diabetes Associatio. Muitas associações no mundo inteiro já
discutem as melhores abordagens para T1D. Mas para que as associações oficiais preconizem
protocolos terapêuticos (farmacológicos, nutricionais ou outros) são requeridos
estudos clínicos randomizados. Em um estudo de revisão também recentemente
publicado versando sobre protocolos de baixa carga glicêmica para T1D (Turton
et al, 2018) urge para a necessidade de mais estudos clínicos, comparativos
entre os protocolos: alto versus baixo
carb.
O fato é que
estamos vivenciando um momento de reflexão e inflexão: resgate do histórico terapêutico nutricional - cientificamente estudado - apoiado na medida certa da revolução farmacológica trazida com a insulina pela turma de Toronto.
Referência:
Lennerz BS, Barton A, Bernstein RK, et al. (2018) Management of Type 1
Diabetes With a Very Low–Carbohydrate Diet. Pediatrics. 141(6):e20173349. http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/early/2018/05/03/peds.2017-3349.full.pdf
Jessica L. Turton, Ron Raab, Kieron B. Rooney (2018) Low-carbohydrate
diets for type 1 diabetes mellitus: A systematic review. PLOS One. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0194987
Richard K. Bernstein (2011) Diabetes Solution - http://www.diabetes-book.com/
Type1Grit - https://www.facebook.com/Type1Grit/
Chris Feudtner (2003) Bittersweet: Diabetes, Insulin, and the
Transformation of Illness (https://www.goodreads.com/book/show/1047779.Bittersweet)
Anahad O’Connor - How a Low-Carb Diet Might Aid People With Type 1
Diabetes -
Miriam E. Tucker - Very Low-Carbohydrate Diet Beneficial in Type 1
Diabetes - May 07, 2018 - https://www.medscape.com/viewarticle/896288
Study links very low-carb diet to better glycemic control in diabetes