segunda-feira, 18 de março de 2019

Os sentidos da rosa





O que é um nome ?!
Aquela a que chamamos de Rosa
Por outro nome cheiraria igualmente doce” 
(Shakespeare)


As coisas são muito mais que um nome, e sim o que encerram em si.
Diabetes não é diferente.
Para conhecer, é necessário mais que memorizar seu nome.
E sobretudo, entender que diabetes está bem além da glicemia (glicose sanguínea) elevada.

Diabetes é, dentre outras coisas, a incapacidade do organismo adequadamente produzir e/ou secretar e/ou responder ao hormônio insulina.
E quando isso acontece, ocorre elevação indesejada da glicemia, denominado de hiperglicemia.

Insulina é produzida pelas chamadas células beta do pâncreas.

No diabetes mellitus tipo 1 (DM1) ocorre perda precoce de célula beta e perda de insulina.

No diabetes mellitus tipo 2 (DM2), ocorre resistência à ação de insulina, e dai o pâncreas do indivíduo DM2 precisa produzir enormes quantidades de insulina, até que entra em exaustão, ocorre perda - tardia - de célula beta e, por fim, hiperglicemia.

Ou seja, DM2:

- tem como característica a resistência à ação da insulina – “resistência insulínica
- a resistência insulínica acompanha o DM2 em toda sua trajetória, mesmo antes do diagnóstico por hiperglicemia (podendo ocorrer mesmo com glicemia “normal”)
- é caracterizada por excesso de insulina nos estágios iniciais (10, 15, 20 anos antes da hiperglicemia que leva a diagnóstico[1]), evoluindo para deficiência de insulina em estágios muito avançados (10, 15, 20 anos após diagnóstico por hiperglicemia)

Isso nos leva a conclusões importantes:

1º) glicemia não pareceria portanto poderoso em definir, ou mesmo predizer o risco futuro de DM2, porque tem pessoas em estado de glicemia “normal” (chamado "normoglicenico") mas já com resistência insulínica.

2º) um indicador de resistência insulínica – ou, ainda, diabetes subclínica[2] - nesses indivíduos normoglicemicos é a insulina elevada, em virtude do pâncreas tentar compensar a resistência de modo a tornar o indivíduo normoglicemico.


A limitação do uso de glicemia para prever risco futuro de diabetes tem se demonstrado por estudos independentes, incluindo dois publicados recentemente, um nos EUA de 2017 (ARIC[3]) e outro de 2019 no Brasil (ELSA-Brasil[4]).

Por outro lado, outro estudo em 2009 (Whitehall-UK[5]) observou que pacientes que ficaram diabéticos eram resistentes a insulina 10 a 15 anos (talvez até mais) antes do diagnóstico de DM2 pelo critério de hiperglicemia.

De fato, a Associação Americana de Diabetes (ADA) já havia afirmado em 1997 que insulina é o melhor diagnóstico de resistência insulínica & melhor preditor de risco futuro de DM2[6].

Ou seja, numa perspectiva diagnóstica, a melhor forma de saber que se está no caminho de DM2 é saber seu nível de insulina e, assim, seu grau de resistência insulínica.

Parafraseando o dramaturgo,

“diabetes é diabetes ainda que com outro nome”

Afinal, podemos reconhecer uma rosa ao longe, mesmo que ainda não tenhamos sentido seu doce aroma.





[1] Tabák et al, 2009. Trajectories of glycaemia, insulin sensitivity, and insulin secretion before diagnosis of type 2 diabetes: an analysis from the Whitehall II study. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60619-X
[2] Lima LMTR, 2017. Subclinical Diabetes. An. Acad. Bras. Ciênc. vol.89.
[3] Warren et al, 2017. Comparative prognostic performance of definitions of prediabetes: a prospective cohort analysis of the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) study.  https://doi.org/10.1016/S2213-8587(16)30321-7
[4] Schmidt et al, 2019. Intermediate hyperglycaemia to predict progression to type 2 diabetes (ELSA-Brasil): an occupational cohort study in Brazil. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(19)30058-0
[5] Tabák et al, 2009. Trajectories of glycaemia, insulin sensitivity, and insulin secretion before diagnosis of type 2 diabetes: an analysis from the Whitehall II study. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60619-X
[6] Consensus Development Conference on Insulin Resistance: 5–6 November 1997
Diabetes Care 1998 Feb; 21(2): 310-314. https://doi.org/10.2337/diacare.21.2.310

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