Em 1923 o diabetologista
Fred Allen publicava na revista médica americana JAMA [1]
um estudo de caso reportando sucesso no tratamento de um paciente com insulina,
recém-descoberta [2] e
vendida simbolicamente em 11 Fev 1922 por 3$ para que fosse acessível a todos [3].
E de fato rapidamente tornou-se disponivel comercialmente. Enquanto pontuava
que carboidratos poderiam ser introduzidos a alimentação desses pacientes, nesse
mesmo artigo Allen destacava que quantidades elevadas de carboidratos eram “geralmente
desnecessárias e indesejáveis por causa da grande dose de insulina demandada”.
Com o advento da
biologia molecular, as insulinas de origem animal que eram usadas até então deram
lugar as insulinas “humana” (ou
“homólogas”), ou seja, identicas a natural do organismo: a de ação rápida/regular, e a lenta / “NPH”. O uso da insulina humana diminuiu
a taxa de alergencidade e melhores respostas a insulina.
Essas insulinas
humanas são tão importantes que constituem o portfólio de medicamentos essenciais da OMS [4]
, sendo as mesmas padronizadas no Brasil pelo Sistema Único de Saúde/Farmácia Popular.
Posteriormente
foram surgindo insulinas “análogas”,
ou seja, diferentes das humanas, de modo a apresentarem ação mais rápida ou
mais lenta consoante as modificações criadas nas mesmas.
O benefício da inovação não vem sem custo. E
elevado. Em verdade, produto novo tende a ser bastante caro pela questão de
desenvolvimento, marketing e reserva de mercado. Mas, no caso de insulina, tem
também havido uma escalada global no preço de produtos já no mercado há algumas
décadas, algumas em quase 10x, que ultrapassa o aumento de custo de qualquer
outro produto no mesmo mercado [5].
E preço se torna um
problema porque insulina é essencial para vida aos pacientes DM1. Entretanto, a
escalada de preço das insulinas análogas em alguns países é tal que, por mais
essencial à vida que seja insulina a esses pacientes DM1, muitos reduzem a dose
efetivamente necessária por conta de custo, por vezes com prejuizos à saúde e à
própria vida [6].
Mas afinal, seriam
as mais menos dispensiosas insulinas humanas ruins ?!
Após décadas de dados acumulados, surgem os
resultados [7]
[8]:
as insulinas análogas não parecem ser superior as humanas regular e NPH.
Entretanto, existem pontos importantes nesse argumento:
- Cada insulina – humana e análogas, rápidas e
lentas - possui um perfil de ação bem diferente da outra, que precisa ser
entendido para cada tipo e para cada indivíduo;
- O uso de toda e qualquer insulina requer
treinamento cuidadoso supervisionado por médico, e assim trocar de insulina não
deve ser feita inadvertidamente e sim sob supervisão médica;
- Não é razoável trocar indistintamente de insulina,
de ultra-rápida para regular e vice-versa, sem o devido treino com profissional
de saúde, pois como possuem velocidades de ação bastante distintas, podem levar
a descontrole da glicemia, entre hiper- e hipo-, podendo levar a severas
complicações, eventualmente fatais [9];
- O treinamento de uso de insulina – ou troca da
mesma – inclui revisão integrativa da terapêutica, inclusive alimentar, para que dentre outras
coisas a curva de efeito da insulina se adeque ao perfil de aumento glicêmico.
Para colocar em perspectiva, aqueles que consomem muito amido / açucares possuem aumento rápido da glicemia,
precisando de altas doses de insulina
análoga ultra-rápida, enquanto os que consomem pouquissimo carboidratos tipicamente tem elevação de glicemia baixa
e tardia, sendo mais adequada a insulina
humana regular e em baixas doses;
- Colocando de outra forma, como para toda e qualquer terapia que se faça com
insulina, é uma questão de treino, requerendo saber o que vai se consumir,
o tempo que levaria para absorver o alimento e aumentar a glicose sanguínea, e
o perfil de efeito da insulina, devendo tudo isso se harmonizar.
Dr. Tracey Brown, CEO da American
Diabetes Association, ela mesma DM2, recentemente lendo o livro Diabetes Solution do Dr. Bernstein, e
tendo ido pessoalmente conversar com este Engenheiro DM1 que foi cursar Medicina aos
45 anos para poder trabalhar sua abordagem terapêutica farmacológica
– com insulina humana – e nutricional de baixo carboidrato para DM. [10]
Nessa trajetória histórica – que segue - de busca da insulina perfeita [11],
enquanto não chegam revolucionárias inovações radicais (e não apenas
incrementais), tais como restrauração de função pancreática do diabético e
insulinas gluco-responsivas, seria um problema não poder fazer uso das análogas
?!
Espera-se também que o preço das análogas - em particular essas cujas patentes já expiraram e já são bem conhecidas em segurança e eficácia - se tornem mais acessíveis globalmente, como vislumbrado há 97 anos atrás, visando atender universalmente aqueles que dependem de insulina para sua sobrevivência. E quem sabe, entrar na lista de medicamentos essenciais da OMS.
Nesse meio tempo, seria ruim ter que recorrer à insulina humana ?!
Espera-se também que o preço das análogas - em particular essas cujas patentes já expiraram e já são bem conhecidas em segurança e eficácia - se tornem mais acessíveis globalmente, como vislumbrado há 97 anos atrás, visando atender universalmente aqueles que dependem de insulina para sua sobrevivência. E quem sabe, entrar na lista de medicamentos essenciais da OMS.
Nesse meio tempo, seria ruim ter que recorrer à insulina humana ?!
Seria uma solução “antiquada” usar insulina humana,
com perfis de segurança e eficácia já bem conhecidos ?!
Afinal, antigo / tradicional não são sinônimos necessário
de antiquado, inefetivo, inadequado.
Basta - claro - ser devidamente treinado pelos
profissionais de saúde.
Fundamental não é estar na moda, mas sim estar bem.
[1] https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/236516 - The Treatment Of Diabetes
With Insulin. Frederick M. Allen, M.D. Jama. 1923;81(16):1330-1335.
[2] https://patents.google.com/patent/US1469994A/en - Extract obtainable from the mammalian pancreas or from the
related glands in fishes, useful in the treatment of diabetes mellitus, and a
method of preparing it. Frederick G Banting, Best Charles Herbert, Collip James
Bertram.
[4] https://www.who.int/medicines/publications/essentialmedicines/en/ - WHO Model Lists of Essential Medicines. Direto
em https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/273826/EML-20-eng.pdf
[5]
https://www.washingtonpost.com/amphtml/news/wonk/wp/2016/10/31/why-insulin-prices-have-kept-rising-for-95-years/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4133975/ (Use and Out-of-Pocket Costs of Insulin for Type 2 Diabetes Mellitus
from 2000 to 2010).
[7] https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2632299. Kasia J. Lipska, Irl B.
Hirsch; Matthew C. Riddle. “Human Insulin for Type 2 Diabetes: An Effective,
Less-Expensive Option”.
https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2685849 - Matthew J. Crowley; Matthew L.
Maciejewski. “Revisiting NPH Insulin for Type 2 DiabetesIs a Step Back the Path
Forward ?”.
[8] Dr. Bernstein’s Diabetes Solution - http://www.diabetes-book.com/
Jennifer N. Goldstein; Madeline McCrary; Kasia J. Lipska – “Is the
Over-the-Counter Availability of Human Insulin in the United States Good or Bad
?” JAMA Intern Med. 2018;178(9)
[11] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26988411 - Zaykov AN, Mayer JP, DiMarchi RD. “Pursuit of a perfect insulin”.
Nat Rev Drug Discov. 2016 Jun;15(6):425-39.
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