segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Em busca da terapia perfeita





               Em 1923 o diabetologista Fred Allen publicava na revista médica americana JAMA [1] um estudo de caso reportando sucesso no tratamento de um paciente com insulina, recém-descoberta [2] e vendida simbolicamente em 11 Fev 1922 por 3$ para que fosse acessível a todos [3]. E de fato rapidamente tornou-se disponivel comercialmente. Enquanto pontuava que carboidratos poderiam ser introduzidos a alimentação desses pacientes, nesse mesmo artigo Allen destacava que quantidades elevadas de carboidratos eram “geralmente desnecessárias e indesejáveis por causa da grande dose de insulina demandada”.


               Com o advento da biologia molecular, as insulinas de origem animal que eram usadas até então deram lugar as insulinas “humana” (ou “homólogas”), ou seja, identicas a natural do organismo: a de ação rápida/regular, e a lenta / “NPH”. O uso da insulina humana diminuiu a taxa de alergencidade e melhores respostas a insulina. 


Essas insulinas humanas são tão importantes que constituem o portfólio de medicamentos essenciais da OMS [4] , sendo as mesmas padronizadas no Brasil pelo Sistema Único de Saúde/Farmácia Popular.


               Posteriormente foram surgindo insulinas “análogas”, ou seja, diferentes das humanas, de modo a apresentarem ação mais rápida ou mais lenta consoante as modificações criadas nas mesmas. 


O benefício da inovação não vem sem custo. E elevado. Em verdade, produto novo tende a ser bastante caro pela questão de desenvolvimento, marketing e reserva de mercado. Mas, no caso de insulina, tem também havido uma escalada global no preço de produtos já no mercado há algumas décadas, algumas em quase 10x, que ultrapassa o aumento de custo de qualquer outro produto no mesmo mercado [5].


               E preço se torna um problema porque insulina é essencial para vida aos pacientes DM1. Entretanto, a escalada de preço das insulinas análogas em alguns países é tal que, por mais essencial à vida que seja insulina a esses pacientes DM1, muitos reduzem a dose efetivamente necessária por conta de custo, por vezes com prejuizos à saúde e à própria vida [6].


               Mas afinal, seriam as mais menos dispensiosas insulinas humanas ruins ?!


Após décadas de dados acumulados, surgem os resultados [7] [8]: as insulinas análogas não parecem ser superior as humanas regular e NPH. Entretanto, existem pontos importantes nesse argumento:
 - Cada insulina – humana e análogas, rápidas e lentas - possui um perfil de ação bem diferente da outra, que precisa ser entendido para cada tipo e para cada indivíduo;
 - O uso de toda e qualquer insulina requer treinamento cuidadoso supervisionado por médico, e assim trocar de insulina não deve ser feita inadvertidamente e sim sob supervisão médica;
 - Não é razoável trocar indistintamente de insulina, de ultra-rápida para regular e vice-versa, sem o devido treino com profissional de saúde, pois como possuem velocidades de ação bastante distintas, podem levar a descontrole da glicemia, entre hiper- e hipo-, podendo levar a severas complicações, eventualmente fatais [9]; 
 - O treinamento de uso de insulina – ou troca da mesma – inclui revisão integrativa da terapêutica, inclusive alimentar, para que dentre outras coisas a curva de efeito da insulina se adeque ao perfil de aumento glicêmico. Para colocar em perspectiva, aqueles que consomem muito amido / açucares possuem aumento rápido da glicemia, precisando de altas doses de insulina análoga ultra-rápida, enquanto os que consomem pouquissimo carboidratos tipicamente tem elevação de glicemia baixa e tardia, sendo mais adequada a insulina humana regular e em baixas doses; 
 - Colocando de outra forma, como para toda e qualquer terapia que se faça com insulina, é uma questão de treino, requerendo saber o que vai se consumir, o tempo que levaria para absorver o alimento e aumentar a glicose sanguínea, e o perfil de efeito da insulina, devendo tudo isso se harmonizar.




Dr. Tracey Brown, CEO da American Diabetes Association, ela mesma DM2, recentemente lendo o livro Diabetes Solution do Dr. Bernstein, e tendo ido pessoalmente conversar com este Engenheiro DM1 que foi cursar Medicina aos 45 anos para poder trabalhar sua abordagem terapêutica farmacológica – com insulina humana – e nutricional de baixo carboidrato para DM. [10]




Nessa trajetória histórica – que segue - de busca da insulina perfeita [11], enquanto não chegam revolucionárias inovações radicais (e não apenas incrementais), tais como restrauração de função pancreática do diabético e insulinas gluco-responsivas, seria um problema não poder fazer uso das análogas ?! 

Espera-se também que o preço das análogas - em particular essas cujas patentes já expiraram e já são bem conhecidas em segurança e eficácia - se tornem mais acessíveis globalmente, como vislumbrado há 97 anos atrás, visando atender universalmente aqueles que dependem de insulina para sua sobrevivência. E quem sabe, entrar na lista de medicamentos essenciais da OMS.

Nesse meio tempo, seria ruim ter que recorrer à insulina humana ?! 

Seria uma solução “antiquada” usar insulina humana, com perfis de segurança e eficácia já bem conhecidos ?!


Afinal, antigo / tradicional não são sinônimos necessário de antiquado, inefetivo, inadequado.

Basta - claro - ser devidamente treinado pelos profissionais de saúde.


Fundamental não é estar na moda, mas sim estar bem.












[1] https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/236516 - The Treatment Of Diabetes With Insulin. Frederick M. Allen, M.D. Jama. 1923;81(16):1330-1335.
[2] https://patents.google.com/patent/US1469994A/en - Extract obtainable from the mammalian pancreas or from the related glands in fishes, useful in the treatment of diabetes mellitus, and a method of preparing it. Frederick G Banting, Best Charles Herbert, Collip James Bertram.
[7] https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2632299. Kasia J. Lipska,  Irl B. Hirsch; Matthew C. Riddle. “Human Insulin for Type 2 Diabetes: An Effective, Less-Expensive Option”. JAMA. 2017;318(1):23-24.
https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2685849 - Matthew J. Crowley; Matthew L. Maciejewski. “Revisiting NPH Insulin for Type 2 DiabetesIs a Step Back the Path Forward ?”. JAMA. 2018;320(1):38-39.
Jennifer N. Goldstein; Madeline McCrary; Kasia J. Lipska – “Is the Over-the-Counter Availability of Human Insulin in the United States Good or Bad ?” JAMA Intern Med. 2018;178(9)
[11] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26988411 - Zaykov AN, Mayer JP, DiMarchi RD. “Pursuit of a perfect insulin”. Nat Rev Drug Discov. 2016 Jun;15(6):425-39. 

--- Atenção: este texto é apenas informativo científico, e não constitui orientação de qualquer natureza, tampouco constitui relação profissional-paciente/cliente. O uso de qualquer informação aqui contida é de responsabilidade do usuário e não do autor deste texto. Recomenda-se que qualquer pessoa interessada em tomar alguma atitude em relação a terapêuticas e estilo de vida procure orientação profissional qualificada nos termos da legislação vigente.