sexta-feira, 7 de julho de 2017

O sorriso do gato de Alice



Alice - “Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?”
Gato
- “Isso depende bastante de onde você quer chegar”
Alice
- “O lugar não importa muito…”
Gato
- “Então não importa o caminho que você vai tomar”


                Esta passagem do clássico “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll, é uma anedota que encerra em si um paradigma da vida urbana: quem somos & o que queremos.

São questões quase metafísica, abstratas.
Ao mesmo tempo meio que óbvias: evidente que queremos tudo, do bom e do melhor.
Bem estar físico-psiquico-social (definição de saúde da OMS).
Ser bem sucedido em suas metas – quais sejam.

O problema é que não há fórmula mágica para atingir nenhum delas.
São caminhos que se constroem no dia-a-dia.
Mas há certas perspectivas consensuais.

Para se tornar um talento em esporte, música e outras expertises, existe a regra das 10.000 h [1] que se considera necessário esse investimento de tempo em treino, independente da idade, para atingir excelencia, virtuosismo. Ainda que esta perspectiva seja questionável [2], não há exatamente debate de que treinar e estudar sejam necessários para performance.

De outra sorte, observamos comportamentos das espécies na natureza que são intuitivos.
Andar, respirar, beber, comer.
A questão é que quando se sai da natureza e um ser é transposto para o ambiente urbano, as coisas se tornam complexas.

Transitar por matas ou ambientes não urbanizados requer atenção face a obstáculos frequentes imprevisíveis. Por outro lado, num ambiente urbano, Rio de Janeiro por exemplo, talvez mais atenção seja até requerida para evitar acidentes ao longo das vias públicas.

Respirar é necessário e involuntário. Oxigênio é essencial. E se mora numa cidade de alto índice de poluição, não há o que fazer. Usar máscaras tem limite de funcionalidade. E estética.

Beber também. Água é essencial. O problema é conseguir água potável. Os rios urbanos são usualmente poluidos. Bebe-se portanto água tratada, de abastecimento público. Ou água mineral, de fontes distantes. Ou ainda refrescos, refrigerantes, dentre outras bebidas formuladas. As formulações não são essenciais. Água sim. Isso de certo modo aprendemos com nossos pais e responsáveis, ainda que muitos desvirtuem do caminho ideal. Mas não parece uma questão muito complexa.

Comer é também essencial. Necessitamos de energia para o organismo. Lipídeos e aminoácidos são macronutrientes que encerram micronutrientes essenciais. Junto com carbohidratos, são fonte de energia.

Mas não somente energia. O ser humano tem necessidade de diversas substâncias que ele mesmo não produz – micronutrientes essenciais (minerais e vitaminas) -  e são necessários se obter de fontes exógenas, preferencialmente pela alimentação.

Comida é comida, mas não é tudo igual.
Quanto mais amido e açucares, por exemplo, menor a quantidade de micronutrientes essenciais [3].


A falta de micronutrientes essenciais – lipídeos, aminoácidos, minerais e vitaminas – é sabido estar relacionado com problemas no desenvolvimento e declínieo de saúde. Tão essenciais que são suplementados em diversas condições, como em caso de doenças metabólicas cronico-degenerativas ou ainda em pacientes graves hospitalizados, ou ainda outros sob restrição calórica (voluntária ou devido a por ex cirurgias bariátrica).

Entretanto, a suplementação “multivitaminica” (min & vit) não está necessariamente suprindo as demandas diárias de tantos micronutrientes essenciais, devido a fatores como a inadequação de dosagens das formulações disponíveis, pela limitada absorção do “multivitamínico” comparado com alimento in natura, e ainda sua composição e custo. Ou seja, mesmo escolher um simples “multi” na farmácia não é tarefa simples.

Sob essa perspectiva, nota-se que comer deixa de ser algo que deveria ser aparentemente trivial, ao menos em ambiente urbano.
Desta forma, diferente de Alice, ainda que saibamos que caminho seguir, dependemos de alguem que nos indique o caminho.

Animais em seus habitats naturais não estudam para se alimentar
Mas porque nós, seres urbanos, necessitamos tanto estudar para aprender a se alimentar ? Seriam necessárias 10.000h, equivalentes a 27 anos, 1h/dia ? ou isso seria apenas para se tornar um Chef três estrelas ?

Pensemos como se estivessemos na natureza. Desconfie, pondere, modere se:
- vem em pacote, embalagens, com multiplos ingredientes, com nomes químicos impronunciaveis, corantes, edulcorantes;
- parece algo inimitável de se fazer em domicílio com um livro de receita e um mínimo de prática, e não um tratado de Engenharia de Alimentos ou de Química Avançada;
- tem reivindicações de benefícios a saúde: baixo nisso, alto naquilo, melhora isso, protege daquilo

E invista suas 10.000 h - sem contá-las - em feiras, cozinha com boa música, em troca de receitas e fotos de seus pratos. 

Parece um bom caminho.
E tempo vai passar voando.







[1] K. Anders Ericsson, Ralf Th. Krampe, and Clemens Tesch-Romer. The Role of Deliberate Practice in the Acquisition of Expert Performance”. Psychological Review (1993), v 100, n 3, 363-406. http://projects.ict.usc.edu/itw/gel/EricssonDeliberatePracticePR93.pdf
[3] Luis Mauricio T R Lima (2017) “Subclinical Diabetes” An. Acad. Bras. Ciênc. Epub May 04, 2017. http://dx.doi.org.1590/0001-3765201720160394    

Um comentário:

  1. As questões que todos fazemos e que andamos constantemente à procura de resposta! Gostei muito de ler a sua opinião!

    ResponderExcluir